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terça-feira, 16 de março de 2021

Sericicultores acumulam prejuízos e abandonam a atividade no Norte Paraná

Maior produtor de bicho-da-seda do país, estado responde por 80% da produção. Deriva da pulverização aérea contamina amoreiras e inviabiliza atividade

Agricultores familiares produtores de bicho-da-seda do Paraná estão acumulando prejuízos e até saindo da atividade por conta de danos ocasionados com a contaminação das lavouras de amora pela deriva de defensivos agrícolas, consequência da pulverização aérea em lavouras de grãos. Os produtores de bicho-da-seda, concentrados principalmente no Norte do Paraná, tem em média 3 hectares de lavoura de amora. A amora é o principal alimento do bicho-da-seda e insumo para a produção do casulo de onde é extraído o fio da seda. Ou seja, é condição que o cultivo da amoreira seja 100% natural, sob pena de inviabilizar a atividade.

 

Claudinei de Carli, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares de Astorga, Norte do Paraná, conta que os problemas com a deriva vêm se intensificando nos últimos três anos. Como a maior parte dos agricultores são familiares, que cultivam pequenas áreas, o dirigente explica que os prejuízos consecutivos têm tirado muitos produtores da atividade. De acordo com o sindicato, que move uma ação de indenização em favor dos agricultores atingidos, as perdas somente este ano são calculadas em R$ 339 mil. Em 2020 o prejuízo total foi de aproximadamente R$ 500 mil.

 

O sindicato articula a criação de um fundo com a Prefeitura Municipal de Astorga para garantir futuras indenizações com problemas dessa natureza. Dos 75 produtores de bicho-da-seda do município, 55 teriam sido impactados pela deriva entre janeiro e fevereiro de 2021. Astorga é um dos principais produtores do estado, ao lado do município de Nova Esperança, que lidera o ranking de maior produtor. O Brasil produz 2,6 milhões de quilos de casulos. O Paraná é o maior estado sericicultor do país, com 80% da produção nacional, seguido de São Paulo e Mato Grosso.

 

Há 47 anos na atividade, o agricultor Benedito Alves da Silva, reforça a declaração do presidente do sindicato de que o problema é reincidente há pelo menos três anos consecutivos. “Com a deriva perdemos em peso, qualidade e preço. A contaminação das amoreiras chega comprometer lotes inteiros do bicho-da-seda”, lamenta o agricultor. Com os lotes comprometidos no início do ano, Benedito Silva calcula uma quebra de 50% na produção em 2021. Ele trabalha com sericicultura em uma área de 21 mil metros quadrados, pouco mais de 2 hectares, principal fonte de renda da família.

 

Wilson Fröhlich, que lamenta a falta de área para diversificação – ele tem apenas 2 hectares – conta que perdeu 50% da produção em 2020 e estima uma quebra de outros 50% em 2021. Em meio o campo de amoreira, ele explica que até tentou eliminar o efeito da contaminação pela deriva, com uma poda da lavoura. Mas que não foi suficiente, porque a rebrota também foi comprometida.

 

Emerson Ferreira, tesoureiro da Associação dos Sericicultores de Astorga e Pequenos Produtores de Tupinambá, calcula, “por enquanto”, em pelo menos 30% a quebra na produção do município em 2021. No ano passado a deriva teria afetado 40% da produção. Pelos dados da associação, segundo Ferreira, desde 2020 pelo menos 20% dos produtores saíram da atividade. Lucio Fassina, da Bratac, empresa integradora que é líder em processamento de fio da seda no Brasil, o início do ano vem se tornando a pior fase para atividade e de impacto na produção no Norte do Paraná.

 

O produtor Antenor Nazi, que cultiva amoreiras há 28 anos em Astorga, foi um dos que deixou a atividade recentemente. Depois de três safras com problemas por causa da deriva ele decidiu abandonar a sericicultura. Ele literalmente acabou com 7 hectares de amoreira e desativou os galpões que utilizava para a criação do bicho-da-seda. A decisão veio este ano, quando perdeu 14 caixas de casulo por conta a contaminação das amoreiras. Entre a lavoura, galpões, colheita mecânica e máquinas automatizadas ele admite um prejuízo próximo de R$ 200 mil. O agricultor também lamenta o fato de ser obrigado a acabar com o sustento da família. “Aqui tínhamos um potencial de renda na casa dos R$ 15 mil por mês. Agora vou me aventurar com algumas vaquinhas de leite e meu filho foi buscar trabalho na cidade.” Trabalhavam na atividade ele, a esposa, o filho e nora.

 

Mais recente na sericicultura, o produtor Adriano Aparecido Piva está há três anos na atividade e há dois anos acumulando prejuízos. “Em 2020 perdi 50% da produção. Este ano deve ser pior”, diz Piva enquanto assiste ao trator roçar parte dos 2,5 hectares de lavoura de amora que foram contaminadas pela deriva. Ele decidiu entrar na produção de bicho-da-seda porque a atividade permite ser explorada e ter renda em pequenas áreas. Com investimentos na ordem R$ 100 mil, o agricultor explica que “se continuar o problema do avião, não tem jeito, vou admitir o prejuízo e sair da atividade”.

 

Marcos Brambilla, presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares do Paraná (Fetaep), na semana passada esteve vistoriando pessoalmente as lavouras em Astorga e discutindo com dirigentes e produtores o drama da região. Ao lado do Sindicato Rural dos Trabalhadores Rurais a Fetaep apoia a endossa todas ações no sentido de amenizar as perdas e solucionar em definitivo o problema. “Estamos trabalhando pela indenização dos agricultores afetados e também para garantir a permanência dos produtores e suas famílias na atividade.” No entendimento de Brambilla, a criação do fundo para futuras e possíveis indenizações, bem como a definição de novas regras para coibir ou garantir “a convivência entre pequenos e grandes produtores é que vai garantir o futuro sustentável do campo e da família rural”.

 

Claudinei de Carli, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Astorga, lembra que os prejuízos da deriva de 2020 são motivo de uma ação que encontra-se na Justiça da Comarca de Astorga. Sobre os prejuízos parciais apurados em 2021, de Carli encaminha ofício à Câmara Municipal de Astorga com uma lista de 51 sericicultores de Astorga e 13 de outros municípios da região que atestam prejuízos com a deriva da pulverização aérea, que somam mais de R$ 339 mil. Os produtores estão protocolando uma denúncia junto à Adapar, a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná, para que o fato seja denunciado ao Ministério Público do estado. Também está em trâmite na Câmara de Astorga um projeto de lei que proíbe a pulverização aérea no município. O mesmo projeto, se aprovado, prevê a criação do fundo de indenização a ser criado pelo Poder Executivo.

 

Nesta quinta-feira (18), uma audiência pública on-line organizada pela Assembleia Legislativa do Paraná vai debater “os impactos da deriva do agrotóxico na sericicultura, apicultura, produção orgânica e agroecológica”.

 

SERÁ ÀS 9H30, TRANSMITIDA PELO YOUTUBE E FACEBOOK DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA E PELAS REDES SOCIAIS DA FETAEP. 

 

Foto destaque: Wilson Fröhlich: quebra de 50% em 2020 e previsão de mais 50% de perdas em 2021

Antenor Nazi, Emerson Ferreira, Claudinei de Carli e Marcos Brambilla

 

Benedito Silva: previsão de quebra de 50% em 2021